LOTUS 56 – O “turbina” com tração nas quatro rodas

por Gildo Pires

LOTUS 56 – O “turbina” com tração nas quatro rodas

O famoso STP-Paxton Turbocar (https://drawingdatabase.com/stp-paxton-turbocar/)

O universo do automobilismo não é tão grande quanto se pensa e muitas personalidades que vemos envolvidas em um determinado fato, foram inspiradas ou servirão de modelo para outras tantas.

Ao lembramos do chamado Projeto 34, o carro de seis rodas da equipe Tyrrell, na Fórmula Um, na década de ’70, trouxemos à baila um personagem chamado Derek Gardner, projetista de chassi que não teve receio de falhar ao inovar.

E assim vive o mundo dos construtores de carros, sejam para competições ou para nosso uso no dia a dia.

Gardner estava lá, em Indianápolis, naquele dia de 1968, com um propósito: à serviço da Lotus, trabalhava em um carro movido a turbina com tração nas quatro rodas. Os pilotos estavam passando por maus bocados com a forma como os carros de tração integral reagiam quando se pisava e tirava o pé do acelerador em uma competição e isso apesar de se esperar que um motor a turbina se comportasse melhor nesse aspecto do que um motor convencional.

O carro “problemático” era um Lotus, mais uma das aventuras de Colin Chapman que entendia que inovação não era apenas positiva por si só, mas também tinha valor publicitário.

Como escreveu Dylan Smit ,em 1967, Colin Chapman viu o inovador STP-Paxton Turbocar, movido a turbina a gás, quase vencer no Indianápolis 500. Chapman sempre foi o inovador, constantemente procurando maneiras novas e incomuns de tornar seus carros ainda mais rápidos. Percebendo que os carros movidos a turbina eram mais potentes e rápidos do que os carros convencionais com motor a pistão, ele procurou o CEO da STP, Andy Granatelli, para fechar um acordo.

Chapman queria comprar o conjunto motriz exótico usado pelo carro de Granatelli e construir um chassi em torno dele. Ele e Granatelli chegaram a um acordo e o trabalho começou no Lotus 56 Indycar. Esse projeto tinha um design muito diferente do STP-Paxton.

Outro grande diferencial foi a forma aerodinâmica longa, baixa e elegante em cunha do carro, que forneceu substancialmente mais downforce do que o Turbocar redondo de charuto. As únicas semelhanças ainda existentes eram a turbina a gás de 600 cavalos e a transmissão de tração direta nas quatro rodas, já que o motor da turbina não precisava de uma caixa de câmbio convencional.

Enquanto sua campanha na Indycar estava tomando forma, Colin Chapman pensou: em vez de construir um carro separado para Indycar e outro para a Fórmula Um, poderia apenas projetar o modelo 56 para competir em ambos certames.

Em 1970, ele começou a modificar o 56, construído para os circuitos ovais, em uma máquina de corrida “de estrada” (ou circuito misto) competitiva, depois de garantir uma turbina a gás que estaria em conformidade com os regulamentos da Fórmula Um.

Enquanto isso, as lições de aerodinâmica aprendidas com a versão Indycar estavam sendo implementadas no novo carro convencional de Fórmula 1 da Lotus, o modelo 72 (de 1970), que adicionou asas ao formato de cunha. Os Lotus 72 venceriam prontamente o Campeonato Mundial, o que levou à implementação de asas semelhantes no modelo 56B.

Pratt & Whitney instalada no 56B
(http://motorsportrants.com/formula-1/lotus56bennett/)

Preparar o 56B para competir na Fórmula Um não foi fácil. Além dos ajustes da suspensão, o carro precisaria usar tanques de combustível muito grandes. O reabastecimento (“pit stop”) ainda não havia sido introduzido na Fórmula Um e a turbina precisava de uma quantidade enorme de combustível para completar a distância de um Grande Prêmio. Isso significava que os “sidepods” tiveram que ser consideravelmente “abaulados” para armazenar um total de 280 litros de querosene. Como resultado: o carro estava acima do peso em comparação com seus concorrentes movidos a pistão.

Outra questão era a reeducação de seus pilotos. Como um motor de turbina a gás não dependia da compressão da mesma forma que um motor de pistão, ele carecia completamente de freio motor. Os pilotos ficavam surpresos ao encontrar um carro que mantinha a mesma velocidade mesmo soltando o acelerador. Foram instalados freios maiores. A ausência de um pedal de embreagem dava mais espaço para os pés mas os tanques de combustível protuberantes eram claramente grandes.

Os tanques de combustível protuberantes são claramente visíveis aqui.
(https://grandprixinsider.wordpress.com/2008/05/02/turbine-vs-piston/)

O futuro campeão mundial Emerson Fittipaldi teve a honra de dirigir o carro em sua primeira corrida na Race Of Champions, fora do campeonato, realizada em Brands Hatch (Inglaterra). A sessão de treinos para o evento foi disputada em condições muito molhadas, o que deu a vantagem à tração nas quatro rodas do 56B.

Durante aquela sessão, nenhum outro carro conseguiu acompanhar seu ritmo, prometendo uma vitória fácil para a extraordinária máquina. Infelizmente a pista secou para a corrida propriamente dita, o que resultou no carro caindo de volta para o meio-campo antes que a suspensão traseira quebrada o tirasse do evento.

Lotus 56 de Emerson Fittipaldi, 1971 (https://www.ebay.com/p/23012042153)

A segunda prova do 56B provou ser ainda mais curta quando uma falha semelhante na suspensão deixou Fittipaldi de lado após apenas três voltas completas. Apesar desses contratempos iniciais, Colin Chapman seguiu em frente com o ambicioso projeto e levou o carro ao seu primeiro campeonato mundial.

Este evento foi a quarta rodada do certame de 1971, no belo circuito de Zandvoort (Holanda). Lá, o 56B ganhou um novo manipulador, o novato australiano Dave Walker. Em mãos inexperientes e em uma pista muito seca, o carro não passou de 22º no grid de 24 carros.

Felizmente para Dave e, de fato, para a Lotus, o horrível clima holandês virou a seu favor. A corrida foi marcada por chuvas torrenciais, que atrasaram fortemente o resto do pelotão. Tirando vantagem do sistema de tração nas quatro rodas de seu carro, Walker disparou do 22º lugar até a 10ª posição após apenas 5 voltas.

Colin Chapman acompanhou avidamente o progresso de Walker enquanto ele rodava cada vez mais rápido. Suas esperanças foram destruídas quando Walker deixou sua inexperiência levar o melhor sobre ele. O jovem australiano saiu da pista para o cascalho espesso e teve que se retirar.

Depois que o sueco Rene Wisell não conseguiu qualificar o carro para o Grande Prêmio da Inglaterra, Emerson Fittipaldi foi trazido de volta ao carro para sua segunda participação no Campeonato Mundial, na pista mais rápida do calendário de 1971, Monza (Itália). O carro agora estava pintado de dourado e preto. Essas cores viriam a significar muito mais para a Lotus no futuro.

As chicanas definidoras de Monza ainda não haviam sido introduzidas na famosa pista, o que significava que as velocidades chegavam a mais de 249 km/h. Por causa de sua origem na Indycar, o Lotus 56B parecia estar em uma boa posição. A falta de seções técnicas significava que o carro, acima do peso, poderia finalmente tentar utilizar sua vantagem significativa de potência. Para aproveitar ao máximo sua potência, as asas dianteiras e traseiras foram removidas para diminuir o arrasto.

No final da corrida, Fittipaldi foi 8º entre 10 finalistas, 1 volta atrás do vencedor Peter Gethin (GB) e seu BRM. O Grande Prêmio da Itália seria o segundo e último evento do 56B no Campeonato Mundial. Depois de outra apresentação sem brilho, Colin Chapman se cansou. Em vez disso, concentrou seus esforços na evolução do famoso modelo 72, com motor V8 de grande confiabilidade.

O Lotus 56B foi uma das “anomalias” mais estranhas da história da Fórmula 1.

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