Tyrrell Project 34

por Gildo Pires

Quando mais foi menos…

Infelizmente, não tive a oportunidade de estar perto ou ver andar numa pista de competição um dos veículos mais revolucionários desta categoria do automobilismo: a Tyrrell P34 (Project 34) ou a “Tyrrell de seis rodas”!

Ao contrário do que muitos pensam, sua história não começa em 1976, quando participou pela primeira vez do campeonato da Fórmula Um no GP da Espanha, em Jarama.

Derek Gradner

A história do Tyrrell P34 começa em 1968, quando um projetista de chassi inglês chamado Derek Gardner trabalhou num projeto, para a equipe Lotus, de um “carro-turbina com tração nas quatro rodas” para competir nas 500 Milhas de Indianápolis (do qual escreverei em outra oportunidade).

Os protótipos testados sofriam com graves problemas de dirigibilidade.

Uma investigação promovida por Derek levou-o a interessantes conclusões.

Inicialmente, o trabalho que realizara em Indianápolis no projeto da Lotus com um carro-turbina, mostrara que a distribuição de peso no carro e a potência “descarregada” resultavam em uma “confusão de esforços” atuando sobre o veículo, que o tornava impossível de ser conduzido com segurança e eficiência.

Segundo ele, se a carga dianteira fosse dividida sobre quatro rodas dianteiras, os problemas de direção do carro poderiam ser resolvidos e as pesquisas seguintes indicavam que as quatro rodas dianteiras poderiam ser menores que as traseiras, permitindo um menor arrasto aerodinâmico e outros benefícios.

E o que foi aprendido com essa experiência “ficou guardado” até ele ir trabalhar para a equipe Matra, em 1969, que também tinha um projeto de um veículo com tração nas quatro rodas, fazendo com que se mantivesse atento ao assunto.

Pouco depois, em 1970, Derek se tornou o designer-chefe da Elf-Tyrrell Racing, trabalhando com os motores Ford Cosworth V8 DFV, pneus Goodyear e uma caixa de câmbio cujo modelo era utilizado pelas demais equipes. Essa “receita de preparação” resultou em algumas das corridas de Fórmula Um mais competitivas da história mas todas as equipes estavam procurando uma maneira de “saltar à frente” das outras.

O Tyrrell 007 havia sido um sucesso nas pistas mas estava “velho” para suportar maiores modificações e Derek começou a trabalhar no projeto de um novo carro, buscando um ganho de 50cv para ultrapassar as outras equipes. E essa vantagem deveria “sair” do projeto!

Em 1974, ele apresentou seu conceito a Ken Tyrrell, dono da equipe. Baseando-se na experiência daqueles anos passados trabalhando em projetos de tração nas quatro rodas, carros-turbina, etc. E, num pedaço de papel, surgia desenhado um carro para a Fórmula Um com seis rodas: duas rodas de tamanho normal na parte traseira e quatro rodas pequenas de 10 polegadas na frente!

Rabiscos iniciais de Derek Gardner do P34

Resumidamente, o conceito era o seguinte: pneus expostos causavam um efeito de sustentação aerodinâmica indesejado, “puxando” o carro para cima e quanto maior eles fossem, maior era esse efeito produzido. Carros com quatro rodas convencionais contra-atacavam esse efeito com o uso de uma regulagem mais agressiva no spoiler dianteiro (“mais asa” na frente).

Mas o conceito de seis rodas reduziria muito o efeito de sustentação gerado pelas rodas dianteiras (por serem de menor diâmetro), não ficando tão expostas e precisando de muita asa dianteira, portanto, obtendo vantagem de velocidade em linha reta.

Sistema de direção e suspensão dianteira do P34

O conceito era tão radical que o carro deveria receber um nome único em oposição à tradição dos carros “Tyrrell 00” e assim foi batizado como o Project 34 (Projeto 34).

O primeiro protótipo era na verdade um Tyrrell 007 padrão com uma nova frente “do cockpit para baixo”; a Goodyear concordou em fabricar um pneu dianteiro de 10 polegadas com a composição de borracha para Fórmula Um.

Em 1975, o protótipo nunca tinha girado uma roda e ninguém além daqueles diretamente envolvidos com o projeto, sabia do conceito ou existência do “P34”.

O plano de Ken Tyrrell era obter o máximo de impacto promocional e despertar o interesse de patrocinadores mostrando o carro num evento no Heathrow Hilton Hotel (Londres, GB), em setembro de 1975. Ele contava com a presença de seu amigo jornalista especializado Denis Jenkinson e quando este disse que não poderia comparecer, Ken fez uma “exibição privada” em sua casa duas semanas antes da apresentação no hotel, desde que Denis prometesse não dizer uma palavra até a revelação oficial.

Assim, “sem saber realmente o que Ken estava fazendo, Denis foi até sua casa e depois de uma xícara de café de boas-vindas e uma conversa, Ken levou Denis para seu jardim e lá no meio do gramado estava o protótipo P34, o primeiro carro de F1 de seis rodas do mundo! É um fato bem conhecido que Denis Jenkinson sempre teve algo a dizer sobre tudo e qualquer coisa que acontecia no círculo da Fórmula Um, mas quando Ken o apresentou ao P34 pela primeira vez, ele ficou verdadeiramente sem palavras” (segundo “Jenks, A Passion for Motor Sport”, de Denis Sargent Jenkinson).

Tyrrell Project 34

Os presentes na apresentação oficial, semanas depois, tiveram uma reação semelhante e um fato bem conhecido foi que “um certo” Frank Williams estava naquele evento e sua reação, quando seus olhos “escanearam” o P34 pela primeira vez, foi nada menos do que o “queixo caído” e descrença total.

Interessante foi que ninguém na Tyrrell falava sobre os testes com o carro e também não perguntavam… somente a imprensa conjecturava teorias sobre o carro.

Direto ao ponto: o primeiro protótipo foi bastante ruim nos testes iniciais em Silverstone (Inglaterra) durante o inverno de 1975, mas Ken Tyrrell tomou a decisão de colocar o P34 em produção para a temporada de 1976.

Um efeito interessante que foi notado por Derek Gardner na linha de largada/chegada em Silverstone foi que os pneus dianteiros foram realmente “sugados dos aros”, surpreendentemente eles nunca perdiam pressão, mas isso acelerava o desgaste dos pequenos pneus dianteiros, um problema que nunca foi totalmente resolvido e contribuiu para a aposentadoria precoce do P34.

Explicação: como os pneus dianteiros eram menores, eles giravam em uma taxa muito mais rápida para cada volta do que os pneus traseiros, criando uma rodagem 1,6 vezes maior do que os pneus de traz. Para surpresa de muitos até hoje, acontecia o seguinte: a traseira “viajava” a 200 mph e os pneus dianteiros “viajavam” efetivamente a 320 mph, causando a distorção do pneu dianteiro em altas velocidades.

Mesmo sabendo disso, Tyrrell continuou com o projeto e lentamente resolvia os problemas.

Outra adversidade era a posição do cockpit: era difícil orientar o carro corretamente nas curvas devido às dimensões do alto cockpit; além disso, as rodas dianteiras menores e mais estreitas dificultavam a sua observação e o posicionamento na pista.

As curiosas “janelas” da Tyrrell P34

Christopher Hilton, quando escreveu “Ken Tyrrell, Portrait of a Motor Racing Giant”, relatou que “enquanto os testes continuavam, Patrick Depailler aprendeu a entender o carro e adaptou seu estilo de direção para combinar, mas Jody Scheckter não conseguia se acostumar com o carro e reclamou que o carro era quase impossível de dirigir, o que acabou levando aos famosos “orifícios de bombordo” do P34 na cabine lateral, o que permitiu aos pilotos ver as rodas dianteiras e ficar de olho no estado do pneu. Um pequeno ponto a ser observado sobre os infames “orifícios de bombordo” é que, uma vez que os condutores se adaptaram ao estranho estilo de direção do P34, eles não eram mais usados; outra crença popular sobre eles era que Ken os colocara lá para permitir que seus fãs “assistissem” seus pilotos no trabalho, uma alegação que foi ferozmente negada por Derek Gardner”.

Problemas técnicos impediram que o carro ficasse pronto para o início da temporada de 1976, então Tyrrell inscreveu dois carros 007 nas três primeiras corridas, mas na quarta corrida da temporada, em Jarama (Espanha), um P34 estava pronto para competir.

Pilotado por Depailler, o P34 foi rápido e se qualificou em terceiro, enquanto seu companheiro de equipe Jody Scheckter, em um 007, só conseguiu se classificar na 14ª posição. Na corrida, Depailler manteve o carro em terceiro lugar até a 26ª volta, quando os freios falharam, mostrando como era difícil manter os quatro discos de freio frios sem comprometer o perfil frontal baixo do P34.

O complexo sistema de direção e o espartano cockpit do P34

Pelo resto da temporada de 1976, os dois pilotos disputaram todas as corridas com os P34, com destaque para o Grande Prêmio da Suécia, em Anderstorp, onde o P34 obteve uma dobradinha liderada por Scheckter. Os carros só voltariam a ter uma performance razoável em Fuji, Japão, onde Depailler terminou em segundo em chuva torrencial, na famosa corrida em que Niki Lauda abandonou a prova após a segunda volta, recusando-se a correr em condições tão terríveis e, ao fazê-lo, permitiu a James Hunt conquistar o título do Campeonato de Pilotos de 1976 (vejam o filme “Rush”, de Ron Howard!).

A Goodyear também apresentou enormes dificuldades na confecção e desenvolvimento dos pneus de 10 polegadas, estando quase seis meses atrasados em relação ao cronograma de desenvolvimento dos pneus convencionais.

Apesar de todos os problemas, o ano de estreia do P34 foi um dos mais bem-sucedidos da história da Fórmula Um para um carro e equipe que apresentaram um conceito tão revolucionário.

O sul-africano Jody Scheckter a bordo do Tyrrell P34

Vejamos: em Jarama, desistiu com problema nos freios; Zolder (Bélgica), um em 7º e o outro se retira com falha no motor; Mônaco (Mônaco), terminam em 2º e 3º; Anderstorp (Suécia), terminam em 1º e 2º; Paul Ricard (França), terminam em 2º e 6º; Brands Hatch (Inglaterra), um em 2º e o outro se retira com falha no motor; Nurburgring (Alemanha), um em 2º e o outro desiste; Osterreichring (Austria),ambos quebram; Zandvoort (Holanda), terminam em 5º e 7º; Monza (Itália), terminam em 5º e 6º; Mosport (Canadá), terminam em 2º e 4º; Watkins Glen (Estados Unidos), um termina em 2º; Fuji (Japão), uma quebra e o outro em 2º, sob chuva torrencial. O P34 marcou 71 pontos para a Tyrrell, dando-lhes o 3º lugar no Campeonato de Construtores.

Muitas modificações foram implementadas nos meses seguintes e ao longo da temporada de 1977.

Inicialmente, a carroceria era fabricada em fibra de vidro, tornando-a extremamente pesada; mais tarde, foi usada uma versão em kevlar, sendo muito mais leve que a versão em fibra de vidro, permitindo que o P34 recuperasse um pouco da velocidade perdida em 1976. Mas reduziu a quantidade de fluxo de ar sobre os radiadores de óleo, montados originalmente sob a asa traseira. Problema corrigido, surgiu outro: a nova carroceria “era tão grande quanto o carro” e quando retirada, ocupava quase o mesmo espaço do veículo, causando um pesadelo logístico para a equipe.

Durante este período, a Tyrrell garantiu o patrocínio do First National City Travellers Checks e usou o dinheiro para pesquisas. Os P34 foram equipados com instrumentação eletrônica e os dados de desempenho foram gravados e baixados para um computador na fábrica da Tyrrell. Essa abordagem para desenvolvimento foi inovadora para a época, se tornando a base da eletrônica moderna nas corridas de Fórmula Um.

Tyrrell P34 de Patrick Depailler de 1977 – radiadores no bico dianteiro

Infelizmente, a eletrônica “falhava” regularmente e a tecnologia de computador do final dos anos 1970 não era confiável o suficiente, além da Goodyear ainda não investir o necessário no desenvolvimento da tecnologia dos pneus para o P34.

O outro grande evento que ocorreu durante este período foi a saída de Jody Scheckter para a recém-criada equipe Wolf, sendo substituído pelo piloto sueco Ronnie Peterson.

A temporada de 1977 começou na Argentina e nenhum dos carros terminou a corrida, Depailler abandonando com o motor superaquecido e Peterson saiu da corrida na volta 28. Esse “padrão de abandono” se repetiria ao longo da temporada. Muitos dos problemas foram atribuídos à nova forma do cockpit. Os problemas de superaquecimento foram atribuídos aos radiadores de óleo que não recebiam ar suficiente.

Como pode ser visto na obra de John Tipler, “Hamlyn – Formula 1 Decades”, “um desiludido Derek Gardner e a equipe Tyrrell tentaram corajosamente resolver os problemas modificando constantemente o P34; em quase todas as corridas havia algo diferente no carro, mas nenhuma das soluções funcionou o suficiente para ultrapassar os dois problemas básicos.

E o Grande Prêmio da Itália, em Monza, detonou uma crise na equipe: a essa altura, a relação entre o diferencial e a regulagem aerodinâmica da traseira do P34 fora calculada para ser quase dois segundos por volta mais rápida do que a relação de giro das rodas dianteiras; uma diferença tão extrema de regulagens num mesmo veículo era quase “impossível de se combinar” e perturbou o equilíbrio do carro a ponto de ele ficar “impossível de dirigir”.

Derek Gardner se demitiu da Tyrrell e foi substituído por Maurice Phillippe, que tentou resolver os problemas do P34 mudando os radiadores de óleo de debaixo da asa traseira para o nariz do carro, em uma tentativa de corrigir os problemas de superaquecimento do motor, mas alargou radicalmente a dianteira. Resultado: todos os benefícios do conceito de seis rodas foram perdidos!

Radiadores na frente: prejuízo para a aerodinâmica na temporada de 1977

Na temporada de 1977: Buenos Aires (Argentina), ambos abandonam; Interlargos (Brasil), ambos abandonam; Kyalami (África do Sul), um em 3º; Long Beach (Estados Unidos), um termina em 4º; Jarama (Espanha), um em 8º e um abandono; Mônaco (Mônaco), ambos abandonam; Zolder (Bélgica), terminam em 3º e 8º; Anderstorp (Suécia), um em 4º; Dijon-Prenois (França), um em 12º; Silverstone (Inglaterra), ambos abandonam; Hockenheim (Alemanha), ambos abandonam; Osterreichring (Austria), terminam em 5º e 13º; Zandervoort (Holanda), ambos abandonam; Monza (Itália), um em 6º; Watkins Glen (Estados Unidos), terminam em 14º e 16º; Mosport (Canadá), um termina em 2º; Fuji (Japão), um em 3º. Com decepcionantes 27 pontos, a Tyrrell termina em 6º lugar no Campeonato de Construtores de 1977.

Claramente depois de uma temporada tão terrível e sem o compromisso da Goodyear em desenvolver os pneus dianteiros, a Tyrrell não teve outra opção a não ser abandonar o Projeto 34.

O P34 foi relegado aos livros de história e os carros vendidos a colecionadores particulares como “esquisitices históricas” da Fórmula Um. Ele nasceu da paixão e da coragem de experimentar algo diferente. Há quem diga que o conceito era falho e que “os seis rodas não ofereciam nenhuma vantagem sobre os quatro rodas normais”, mas também há quem diga que estava na frente de seu tempo.

Derek Gardner e Patrick Depailler – Tyrrell P34

O que quer que pensem sobre o P34, é preciso dizer que ele atraiu muita atenção: um carro de seis rodas! Que coisa incrível!

Surpreendentemente, com uma vida tão curta na Fórmula Um e todos os problemas encontrados, essa história teve um final feliz.

Durante a metade da década de 1990, Derek Gardner se juntou ao histórico proprietário de carros de Fórmula Um Simon Bull (apresentador de um “road show” de antiguidades na BBC), restauraram um Tyrrell 005 (carro Jackie Stewart durante 1972 e 1973) e foram muito bem sucedidos na FIA TGP Cup. Estimulado pelo sucesso, Simon decidiu ressuscitar mais um carro Tyrrell do final dos anos 70 e perguntou a Derek qual carro seria sua escolha, sempre pronto para um desafio. Derek naturalmente escolheu o P34. Depois de alguma pesquisa, localizaram o chassi nº 6, comprado de um colecionador de carros alemão e entregue no Reino Unido no final de dezembro de 1997 (tinha sido o carro-reserva de Ronnie Peterson e Patrick Depailler em 1977).

Em 1977, o sueco Ronnie Peterson substitui Scheckter

O principal problema com a “ressurreição” do carro seriam os pneus dianteiros, mas quando Derek e Simon abordaram a fábrica de pneumáticos Avon, descobriu-se que eles não apenas tinham acesso aos moldes originais dos pneus, mas também dois dos engenheiros da Avon haviam trabalhado no projeto de pneus Goodyear 10 polegadas no final dos anos 70. A Avon concordou em tentar e o Projeto 34 estava de volta às pistas, concorrendo desde então no “Goodwood Festival of Speed”, na Inglaterra, onde faz aparições regulares em muitos eventos históricos, atraindo multidões e a imprensa aonde quer que vá, garantindo que este grande pedaço da história do automobilismo sobreviva.

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