CD LM64 – O último Panhard de corrida

by Gildo Pires

Os carros americanos muitas vezes são os mais rápidos e chamativos.

Panhard Dynamic 1936 – Foto: Carstyling-ru

Mas raramente podemos chamá-los de “os mais estranhos”.

Na minha opinião, os europeus seriam “os mestres dos carros bizarros”. Enquanto a indústria americana aplicava incidentalmente conceitos comerciais e de marketing para criar um automóvel “consumível”, altamente vendável, os construtores europeus, distintamente a indústria automobilística francesa, exercitavam sua criatividade com muito mais liberdade e desta oportunidade, às vezes, surgiram algumas “estranhezas”.

Por exemplo, a Citroen, uma empresa francesa muito bem-sucedida, quando se vislumbrou pela primeira vez os modelos 2CV e DS, geraram muita “estranheza” na época, mas acabaram emplacando seus carros e os tornando muito populares.

Você, consumidor assíduo de “literatura automotiva”, conhece a Panhard?

René Panhard começou a vender carros em 1890. Com seu sócio Émile Levassor, obteve uma licença de revendedor da Daimler diretamente do advogado parisiense Edouard Sarazin, amigo e representante dos interesses de Gottlieb Daimler na França. Passou, a seguir, a alterar e “personalizar” alguns modelos o mesmo ano. Panhard foi um fabricante de carros extremamente influente, em muitos aspectos, estabelecendo a base conceitual para o que os carros “modernos” se tornariam.

Logo antes da Primeira Guerra Mundial, eles já eram um dos maiores fabricantes de automóveis, deixando para traz o rótulo de “revendedor”. Assim como também se tornaram participantes de competições automobilísticas de sucesso em toda a Europa.

Em um determinando momento na década de ’20, os fabricantes começaram a descobrir mais solidamente “o que funcionava e o que não funcionava” no ambiente de vendas e nas oficinas e Panhard recusou-se a fazer qualquer coisa, acréscimo, substituição ou subtração, “totalmente convencional”, oferecendo, inclusive, modelos idiossincráticos, segundo a vontade do freguês, incluindo uma “preparação” dos motores.

Embora um conceito “mecanicamente” inovador, o estilo de Panhard era bastante (surpreendam-se!!!) comum na época.

Então, deram uma guinada radical em direção ao incomum e, em 1936, apresentaram o Dynamic, com aparência distinta, com um para-brisa dianteiro de três peças com três limpadores. Apresentava um estilo aerodinâmico inovador, meio “desajeitado”, com faróis integrados aos para-lamas e grandes curvas borbulhantes ao redor. O carro tinha uma aparência bastante pesada, sendo largo o suficiente para acomodar confortavelmente três pessoas lado a lado em cada assento. O volante foi posicionado no centro do painel, o motorista sentava entre os passageiros da frente. Foi alegado que isso oferecia melhor visibilidade, mas também era significativo porque o carro poderia ser facilmente dirigido em países com direção à direita ou à esquerda.

  Bem, não vou contar a história da Panhard. Quero apenas mostrar que, a partir desse momento, a genialidade saía das pranchetas para as pistas.

Panhard DBHBR – Foto: Carstyling-ru

No final de 1961, a parceria entre o engenheiro e aerodinamicista francês Charles Deutsch e seu colaborador de longa data René Bonnet terminou. Pouco depois, Panhard abordou Deutsch e o convenceu a projetar um sucessor para seu modelo DB HBR 5, já participante das 24 Horas de Le Mans em 1962. Embora este fosse o primeiro projeto sozinho de Deutsch, ele já havia projetado carros com componentes de veículos Panhard e, em outubro de 1960, os primeiros rabiscos de um “futuro” modelo CD podia ser visto.

Quando escrevi “CD”, você deve ter imaginado que, me referia ao “coeficiente de aerodinâmica”, Cd ou Cx, como alguns diriam. Mas não poderíamos desconsiderar a possibilidade de “CD” também significar “Charles Deutsch”, tamanho era a sua ambição ao longo da vida de criar carros de corrida eficientes e, para ele, qualquer oportunidade para afagar o seu ego não era desperdiçada.

Uma pausa aqui: Charles Deutsch e René Bonnet, depois de construírem uma série de carros de sucesso juntos, se separaram em 1961; Bonnet foi fundamental na criação dos carros da equipe Matra, enquanto Deutsch se concentrou em projetar carros de corrida altamente eficientes para Panhard e Peugeot!

Panhard CD LM64 – Foto: planetcarsz.com

Continuando, desde seu primeiro carro baseado em um Citroen, em 1939 (ainda construído com Bonnet) até o CD Peugeot projetado para Le Mans 1966-1967, os carros de Deutsch eram leves e altamente aerodinâmicos. E talvez o melhor exemplo de seu trabalho com aerodinâmica tenha sido exatamente o Panhard-CD, construído on demand para a Le Mans 1964, com um coeficiente de aerodinâmica (Cx) de 0,12, o mais baixo já alcançado para qualquer carro de corrida!

Outra pausa: o downforce dos carros era obtido com a utilização e otimização de formas orgânicas, muitas vezes baseadas nas formas da natureza e na aviação.

As anotações que serviram de base para uma série de considerações sobre o carro de 1964 vieram de um Panhard semelhante ao carro que obteve o melhor índice de desempenho em Le Mans em 1962, da equipe de Gilhaudin e Bertaut.

Parecia que os carros com menos de um litro não eram mais capazes de oferecer altos índices de eficiência térmica motriz e, à medida que o diferencial de velocidade aumentava, esses carros, numa pista de competição, se tornavam obstáculos cada vez mais perigosos para os enormes (e velozes) Ford e Ferrari.

Panhard CD LM64 – Foto: planetcarsz.com

A ciência aerodinâmica ainda era uma espécie de “arte negra” em meados dos anos 1960, razão pela qual ainda era o foco principal de um troféu altamente considerado nas 24 Horas de Le Mans: o de melhor Índice de Eficiência. E por ser tão importante, havia muitos times que não tinham chance de vencer “no geral” mas iriam buscar a vitória deste troféu. Pequenos streamliners com motores diminutos pontilhavam o percurso e, à medida que as velocidades aumentavam para as equipes de classes mais altas, tornou-se bastante perigoso para todas as partes envolvidas, razão pela qual a ideia foi abandonada.

Este carro, o Panhard CD LM64, poderia ter sido, provavelmente, o culpado pela morte desta classe.

Num momento em que o Mk1 Ford GT40 era apresentado a Le Mans, em 1964, tendo um coeficiente de arrasto na faixa de 0,35, o Panhard conseguia seu coeficiente de arrasto recorde de Le Mans de 0,12. Isso era absurdamente baixo! Além de extremamente aerodinâmico, era muito leve, pesando apenas 1.230 libras (557,91 kg). Adicione um motor 848cc superalimentado, com 78 cavalos de potência e você terá um carro que poderia chegar a 137 mph (220,48 km/h) em flat chat.

Panhard CD LM64 – Foto: planetcarsz.com

Em 1964, nenhum carro com menos de um litro foi autorizado a competir em Le Mans.

Uma discussão sobre o regulamento surgiu.

O Panhard-CD era capaz de atingir velocidades acima de 140 mph (225,308 km/h) com pouco mais de 70 hp, disponíveis em um motor supercharger de dois cilindros. Deutsch, ainda usando o “velho” motor Panhard de dois cilindros, mas agora com 848,2cc, ignição dupla e dois carburadores Zenith, encontrou uma maneira de manter os Panhards na corrida. De acordo com as regras, se um carro fosse supercharged, isso aumentaria efetivamente o deslocamento. Traduzindo: um supercompressor não seria necessário para aumentar a potência, mas apenas para atender aos novos regulamentos de Le Mans. Consequentemente, foi autorizado a correr na classe “inferior a 1.200cc”.

Panhard CD LM64 – Foto: planetcarsz.com

A chave para a competitividade do Panhard-CD 1964 estava na carroceria escorregadia “sob medida”, que teria a aerodinâmica mais sofisticada do que qualquer outro carro no grid naquele ano.

As linhas gerais do novo LM64 eram claramente um desenvolvimento de um Panhard “de produção”, que em si era um desenvolvimento de carros de competição anteriores. Uma diferença significativa foram os faróis cobertos e a cauda alongada, ambos destinados a manter o arrasto ao mínimo, o que era essencial nas retas longas em Le Mans. Para garantir que o carro permanecesse estável em velocidade, duas “nadadeiras altas” foram montadas em cada lado da cauda. O carro também foi equipado com uma carroceria integral (inclusive cobrindo as caixas de rodas), o que ajudou a reduzir o arrasto e “a cortesia” do formato da asa também gerou força para baixo, o que mais tarde seria conhecido como “efeito solo”.

O corpo de fibra de vidro muito escorregadio foi montado em um chassi de aço atualizado. Este projeto simples consistia em uma estrutura principal com um chassi auxiliar dianteiro que abrigava o motor e a caixa de câmbio. O motor refrigerado a ar foi montado à frente das rodas dianteiras. Pensou-se em usar uma barra estabilizadora, mas optou-se por molas helicoidais. Com apenas 560 kg, o LM64 poderia se contentar com freios a disco embutidos na frente e tambor na parte traseira.

Panhard CD LM64 – motor B2 Fonte: ultimatecarpage.com

A configuração final do carro que iria à pista ficou assim: o motor era um Panhard B2, frontal, montado longitudinalmente, com bloco e cabeçote de liga leve, 2 válvulas por cilindro, carburadores Weber, ignição Twin Spark, supercharger, potência de 78 hp a 6.750 rpm e tração dianteira. A suspensão dianteira tinha triângulos inferiores com molas helicoidais atuando sobre amortecedores; na suspensão traseira, balança com molas helicoidais e amortecedores. A caixa de câmbio era uma ZF de 5 velocidades.

O carro teve o comprimento final de 4.250 mm, largura de 1.640 mm e altura de 1.070 mm. A distância entre eixos foi fixada em 2.270 mm.

Um dos LM64 apareceu nos testes para a Le Mans de 1964. O piloto Alain Bertault assinalou o 33º tempo mais rápido. Um carro estava programado para aparecer nos 1.000 km de Nurburgring, mas não se concretizou.

Panhard-CD LM64 Le Mans 1964 Fonte: planetcarsz.com

Dois LM64 foram inscritos na 32ª edição de Le Mans, em 1964, pela equipe SEC Automobiles CD. Os pilotos Andre Guilhaudin e Alain Bertaut, no carro número 44, completaram apenas 77 voltas, desistindo por quebra do motor. O Panhard número 45, conduzido pelos pilotos Guy Verrier e Pierre Lelong, foram mais longe, completando 124 voltas e se retiraram da competição por causa da quebra da caixa de marchas.

Após a decepcionante saída em Le Mans, os dois Panhard-CD LM64 não correram novamente. Deutsch continuou seu trabalho e, em 1966, criou um novo carro de corrida esportivo com motor central. Mais tarde, a Porsche recorreu à sua experiência para criar as versões de cauda longa e baixo arrasto do 917.

Bem à frente de seu tempo, o LM64 no final das contas não atingiu seu potencial.

Os dois carros ainda existem e no 40º aniversário (em 2004) de sua única corrida (em 1964), eles se reuniram e correram no Le Mans Classic.

Vive la France!

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