PUMA – o renascer de uma lenda.
Parte 1 – Os pioneiros
Há alguns dias voltou ao cenário nacional uma marca que muito nos encantou e que enche de orgulho aficionados e colecionadores: a Puma.
O significado desse evento requer que voltemos no tempo para entender o impacto que essa indústria teve 62 anos atrás.
O primeiro automóvel chegou ao Brasil em 1891 conduzido por Alberto Santos Dumont, que começou a circular por São Paulo com um Peugeot. O primeiro carro emplacado no País foi do conde Francisco Matarazzo, em 1903. O Automóvel Club do Brasil nasceu em 1907 e logo depois, no Circuito de Itapecerica, em São Paulo, o Brasil tinha sua primeira competição automobilística.
Aqui citando e homenageando o grande jornalista Fernando Calmon, “o promissor mercado logo chamou a atenção e começou a receber unidades de montagem de carros importados, com a Ford chegando em 1919 e a General Motors em 1925, e o Brasil continuou sem produção própria de carros até meados dos anos 50, tendo apenas algum trabalho de carrocerias para caminhões e ônibus.
A política desenvolvimentista do presidente Getúlio Vargas possibilitou o surgimento da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional e da Fábrica Nacional de Motores, ambas no estado do Rio de Janeiro e esses conceitos se fortaleceram no governo do novo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.”
Aprendemos no colégio que Juscelino Kubitschek, logo após a sua posse em janeiro de 1956, criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), coordenado pelo Almirante Lúcio Meira, ministro de Viação e Obras Públicas. “Na época a frota brasileira mal passava de 800 mil veículos e havia uma enorme demanda reprimida por automóveis e caminhões. Tendo em vista essas necessidades do país, o Geia estabeleceu as diretrizes para a vinda da indústria automobilística por meio de incentivos vinculados a metas de nacionalização ambiciosas.”
Resultado: planos para a fabricação de caminhões (FNM, Ford, GM, International, Mercedes-Benz e Scania-Vabis), jipes (DKW-Vemag, Land Rover, Toyota e Willys-Overland), peruas (Vemag e Volkswagen Kombi) e automóveis (FNM 2000 JK, Simca Chambord, Vemag, VW sedã, e Willys – Aero e Dauphine).
“O crescimento da indústria automobilística foi lento, não foi o esperado, pois tanto o poder aquisitivo da população não era suficiente quanto as condições econômicas do país, não contribuíam para facilitar a compra. Entre os problemas enfrentados pela indústria, dois velhos conhecidos, a inflação e a opção do governo de taxar os automóveis para aumentar a arrecadação.”
Verdadeiramente, só em 1978 conseguimos romper a barreira de um milhão de veículos produzidos por ano no Brasil.
Essa marca histórica contou com a presença de um empreendimento pioneiro, vindo do entusiasmo de um italiano, ex-advogado e proprietário de uma plantação de cana-de-açúcar, que iniciou a construção (em sua fazenda na cidade de Matão/SP) de um carro esportivo com carroceria feita em metal e o motor de um DKW (parte da Auto Union, que mais tarde se tornou Audi).
Assim, as raízes do carro esportivo de maior sucesso do Brasil remontam a 1964, com Genaro “Rino” Malzoni.
Da Lumimari, o Puma
Voltemos um pouquinho no tempo: em 1960, o Brasil vislumbrava o automobilismo apenas como coisa “de gringo”, pois somente lá fora existiam modelos que faziam os fans da velocidade sobre quatro rodas sonhar alto.
Uma empresa, criada pelo italiano Rino Malzoni, começou, então, uma história de modelos de carros ricos em beleza e aerodinâmica, além de consagrados em algumas competições.
A empresa Puma Veículos e Motores despontou no mercado automotivo nacional com a produção de esportivos em uma época em que a importação era proibida.
Ainda sem ter estrutura suficiente para fabricar motores e conjuntos mecânicos, Rino se aproveitou do que dispunha das estruturas mecânicas e linhas de produção de outras marcas. E foi em sua oficina que o italiano criou seu modelo pioneiro, cujo sucesso o levaria a exportar para Estados Unidos e Europa.
A Puma, desde sua criação, teve uma relevância muito grande para o mercado automotivo brasileiro, principalmente por conta de seus belos desenhos da carroceria e excelente performance.
Assim como qualquer marca, a empresa brasileira também enfrentou algumas “pedras no caminho” como, por exemplo, o preconceito daqueles que menosprezavam a marca por não pertencer a uma grande montadora.
Com o modelo em evolução e ganhando várias competições, foi fundada a empresa Sociedade de Automóveis Lumimari Ltda. formada por Luiz Roberto Alves da Costa (LU) Milton Masteguin (MI), Mário César de Camargo Filho (MA) e Rino Malzoni (RI), o carro foi batizado de “GT Malzoni” que, apesar de ser exclusivo para as pistas, teve algumas unidades vendidas para as ruas. Impressionava pela carroceria e relativa confiabilidade nas corridas e, logo após o primeiro carro, mais três carros foram feitos em metal e chamaram a atenção da VEMAG, empresa que construía os DKW no Brasil.
A VEMAG comprou alguns dos primeiros modelos fabricados do Malzoni e disputou eventos como as 1000 Milhas Brasileiras. Ainda em 1964, correu no Grande Prêmio das Américas, em Interlagos, sendo vitorioso e nas cinco corridas posteriores. O modelo desbancou carros já famosos como o Renault Dauphine e Willys Interlagos. Tinha um motor DKW dianteiro, com 3 cilindros de 981 cm³ (chegou até 1.080 cm³) e pesava 720 kg, gerando 106 cv.
Logo após obter sucesso nessas competições, a VEMAG encomendou uma nova versão em fibra de vidro, tornando-a ainda mais leve e foi mais bem sucedida nas pistas. Para as corridas e mais alguns amigos, Rino Malzoni produziu 15 unidades do modelo, ainda chamado apenas pelo sobrenome de seu criador.
Durante o período de 1965 a 1966, cerca de 45 Malzoni GT foram construídos em duas versões: uma com um interior espartano (destinado a corridas) e uma versão “luxo”, com todos os acessórios disponíveis.
Somente em 1966, o carro, com discretíssimos retoques, carroceria de fibra feita pela Lumimari e plataforma DKW, levaria o nome Puma GT. O visual, livremente inspirado no da Ferrari 275 GTB, logo faz sucesso e 34 unidades foram encomendas.
O Puma GT em sua versão de rua estreou no Salão do Automóvel de 1966 e ficou popularmente conhecido por Puma DKW, com mudanças estéticas e técnicas, além de um melhor refinamento no acabamento. A frente ganhou nova grade e para-choques, o painel de instrumentos recebeu um novo desenho com acabamento em madeira, a porta avançou e ganhou um novo recorte e a traseira também foi redesenhada recebendo inclusive uma nova lanterna (que era a mesma peça que equipava a luz de seta dianteira da picape Chevrolet C-10, mas com lentes vermelhas). Realmente, o modelo era muito refinado, e por isso era vendido por um valor alto para a época, sendo produzidas apenas 125 unidades.
O modelo atualizado foi lançado sob a supervisão de Malzoni, com a ajuda do designer Anísio Campos e Jorge Letry (recém-saído da Vemag, onde era o chefe do departamento de competições), corrigindo as desvantagens estruturais e de estilo das primeiras versões. O novo carro manteve o mesmo motor de três cilindros e dois tempos, com 981cc e 50cv disponíveis no motor DKW. Para a época, era impressionante o suficiente, especialmente em comparação com os motores boxer da VW, que tinham um deslocamento maior de 1.200cc e eram capazes de produzir apenas 36hp.
Nem todos se lembram mas, inicialmente, o Puma se chamava Lumimari, se tornando o nome que conhecemos hoje precisamente no dia 12 de novembro de 1966. A troca aconteceu porque Lettry falou para Rino que “Lumimari parecia nome de loja de lustres”. A mudança de nome ocorreu quando a marca já produzia o modelo para as ruas, e o nome Puma, especificamente, veio por causa do felino que habita as Américas e que no Brasil é tido como “O Rei da Montanha”. Com isso a empresa mudou de Sociedade de Automóveis Lumimari Ltda. para Puma Veículos e Motores Ltda.
Em 1967, aproximadamente 120 Pumas GT foram fabricados, e também foi o fim do uso dos motores DKW, pois o Grupo VW comprou a VEMAG-DKW e o design do Puma foi adaptado para usar motores VW e a base estrutural da Karmann.
O ano de 1968 marcou em definitivo o fim dos “DKW-Puma”.
Um sonho realizado
Em uma entrevista do piloto Ricardo Prado ao jornalista colombiano Álvaro Pinzón, o brasileiro contou que seu pai (que na época era o gerente geral de produção da VEMAG) decidiu fazer a sua versão do DKW-Puma GT a partir das últimas peças DKW restantes na VEMAG antes da mudança para VW. O carro já se tornara o esportivo de maior sucesso e mais desejado por aqui; o modelo foi premiado como “o melhor e mais belo design de um carro brasileiro”, nas palavras de Nuccio Bertone para a revista Quatro Rodas. Mas o pai de Prado queria ter seu próprio Puma, ao seu gosto, inserindo seus próprios toques com algumas modificações quase “de fábrica”.
Como a antiga linha de montagem DKW estava sendo desmontada na época, o pai de Ricardo Prado conseguiu, a baixo custo, as principais peças (câmbio, eixo traseiro, freios traseiros, semi-eixos, molas, etc) e um chassi DKW “zero quilometro”, usado para cursos de instrução de mecânica na fábrica. Detalhe: no câmbio, ele adicionou uma relação final mais longa do que o DKW normal. Também: reforços na travessa traseira, nervuras centrais adicionais e suporte central para fixação do mecanismo de freio de mão que ficaria no centro dos assentos como no VW, e não sob o painel como nos outros DKW Puma.
O motor foi escolhido entre vários após testes no dinamômetro na fábrica, e os cilindros foram trabalhados, o cabeçote também chamou atenção, tudo montado e equalizado ainda dentro da própria VEMAG, mas só para o carro do seu pai. A caixa de direção também foi trocada na fábrica por uma unidade de raio menor, adequada para casos de uso mais esportivos; ainda, um novo par de distribuidores especiais. Fora do compartimento do motor, esse protótipo ganhou freios a disco importados pela VEMAG como “opcionais de fábrica”.
Com a chegada de todas as peças, o “novo carro” foi montado e enviado para a Puma Veículos e Motores Ltda. onde foi recebeu sua carroceria. Uma montagem toda feita a mão.
Um detalhe importante: tudo isso acontecia ao mesmo tempo que o chassi do primeiro Puma VW entrava na linha de produção e se transformariam nos Puma que conhecemos. Todos os detalhes foram então feitos de acordo com suas preferências, como o painel especial com sete instrumentos, o console central especial, o freio de mão entre os bancos, as saídas de ar internas como as do DKW Fissore, o tapete como do Galaxie, freios a disco ATE Lockheed, o volante e alguns outros detalhes.
O carro saiu “oficiosamente” da fábrica como o último DKW-Puma GT, uma construção muito original, devidamente carimbada nos registros como um carro de série, não uma “construção de garagem” personalizada.
Devido a compra da Vemag pela Volkswagen, a produção dos modelos DKW (na qual o Puma utilizava a mecânica até então), foi suspensa em 1967.
A Puma se viu em uma situação complicada sem o fornecimento de chassis e motor, precisando assim de um novo projeto. Rino Malzoni então retomou um projeto de um carro de corrida que estava parado em sua fazenda e nove meses depois o protótipo estava pronto.
Para esse novo modelo optaram pelo conjunto mecânico traseiro de 1.500 cm³ da VW, o chassi era do Karmann-Ghia com a distância entre-eixos encurtada. Suas linhas tinham traços semelhantes às do seu antecessor com um toque de inspiração no Lamborghini Miura, chamando atenção pelas suas belas linhas sem cantos vivos, entradas de ar laterais semelhantes a “guelras de tubarão” (o que originou o apelido “Tubarão”) e a ausência da grade frontal, melhorando a aerodinâmica.
Em 1968, Malzoni troca a DKW pela Karmann-Guia e aumenta a produção, que chega a 151 unidades, crescimento de cerca de 350% em dois anos. A mesma compra da DKW Vemag pela Volkswagen, que fez Malzoni trocar a plataforma para a Karmann, foi a responsável pela introdução histórica do motor do Fusca no Puma, um boxer a ar de 1,5 litro.
Em junho de 1969 foi atingida a marca histórica das 300 unidades produzidas em 1 ano de produção do modelo GT 1500, que chegou à Europa, percorrendo 25.500 km entre 9 países.
Continua…