O transportador de carros de corrida 3/5
Parte 3
Embora os transportadores fizessem um trabalho bastante simples, havia o problema de encontrar alguém para conduzi-los.
Na maioria das equipes, esse “problema” era resolvido por um ou mais mecânicos que exerciam a função, embora alguns empregassem motoristas que não faziam nada além de realizar o transporte da equipe.
A Vanwall fazia isso: tendo dois caminhões, havia muito o que fazer para atender a equipe durante as corridas, especialmente se eles tivessem percorrido 1.600 milhas ou mais a partir da sede. E mais: tivessem outras 800 milhas até a próxima corrida, como muitas vezes acontecia. Eram os mecânicos que dirigiam os transportadores e tinham que encontrar tempo para ainda trabalhar nos carros de corrida.
Como se pode imaginar, eles tiveram muitas histórias para contar sobre as viagens que os levaram por toda a Europa e muitas foram verdadeiras “epopeias”, buscando chegar a tempo para a próxima corrida. Não importava com qual equipe de mecânicos você falasse, Cooper, Ferrari, BRM ou Maserati, todos eles podiam contar as histórias mais incríveis sobre coisas que aconteceram em suas viagens, como a vez que encontraram o caminhão da Maserati todo esmagado na frente e, perguntado sobre o que aconteceu, descobriram que o Sr. Amédio, o motorista, estava seguindo o caminhão da Ferrari “um pouco perto demais” e bateu na traseira dele.
Ou o momento em que o Sr. Derek, que dirigia o caminhão da Vanwall, teve que colocar um pelotão de militares italianos na parte de trás para comprimir as molas o suficiente para que o caminhão passasse sob um túnel em Monza.
Com quem você falasse, ficaria impressionado com uma coisa: não importando o que aconteceria com eles, todos considerariam isso como “parte do trabalho”, nunca havia reclamações sobre “as regras do sindicato” ou sobre horas extras, enquanto entrar em greve era algo que nunca passaria pela cabeça de nenhum mecânico. Todos tinham um sentimento de devoção à equipe para a qual estavam trabalhando, e sua maior satisfação era ver seu carro vencer. Aquele que não estivesse disposto a trabalhar para seu piloto e sua equipe nunca se tornaria um mecânico de corrida “de verdade” e não seria aceito pelos outros mecânicos. Entre eles havia um notável código de ética; tudo não escrito, é claro, mas tempo e energia deveriam ser “ilimitados”, acima de tudo deveria haver um elevado senso do dever, e esse dever era garantir que o carro de corrida estivesse na linha de partida nas melhores condições possíveis para a disputa.
De tantas histórias sobre mecânicos que lemos por aí, lembrei de uma: a “epopeia” de Tony Robinson, em 1957. Este foi um exemplo maravilhoso de devoção, imaginação e iniciativa.
Tony estava trabalhando para Bruce Halford naqueles dias, cuidando do Maserati 250F e transportando-o pelo continente europeu em um Royal Blue A.E.C. e, no momento deste incidente em particular, estavam em Modena, na fábrica da Maserati, preparando o carro para o GP de Caen.
Bruce estava na Inglaterra e um jornalista também estava indo para Caen, no norte da França, vindo de Aintree; se encontraram no caminho e viajaram juntos. Chegaram lá numa quinta-feira à noite, pois o treino deveria começar na sexta-feira de manhã e o primeiro “sinal de problema” foi que não havia sinal de Tony, do Royal Blue ou da Maserati na garagem.
O responsável pelas instalações disse que Robinson havia telefonado para dizer que “se atrasaria e que ia ligar novamente mais tarde”.
Não tendo ideia do que poderia ter dado errado, esperaram que Tony chegasse à noite.
Na manhã seguinte, ainda não havia sinal do Maserati e, como o treino era antes do café da manhã, Bruce teve que se contentar em observar os outros.
Um telefonema foi esclarecedor: Tony estava em Briançon (a cerca de 800 quilômetros de distância) e o Royal Blue tinha quebrado, mas agora ele tinha outro caminhão contratado e deveria estar com eles no sábado de manhã, a tempo para o treino no sábado à tarde.
O acontecido: Tony havia tomado a estrada do Mont Genevre, entre Susa e Briançon, e quando chegou ao topo da passagem, rompeu uma tubulação no motor do A.E.C. Temendo continuar e encarar uma descida íngreme e acentuada, decidiu retornar a Briançon. Averiguando o problema, descobriu que, se insistisse em prosseguir, só teria o freio de mão para parar o transportador e sua viagem seria um pesadelo.
Ele poderia ter se sentado e dito: “Bem, é isso, não posso chegar a Caen a tempo, então Bruce não terá essa corrida”. Mas não o fez. Bruce dependia de correr em Caen para pagar a revisão geral do Maserati, e o resultado da corrida decidiria se ele conseguiria uma entrada para o Grande Prêmio da Alemanha.
Então, no meio dos Alpes franceses, com um transportador quebrado e 500 milhas ainda a fazer, Tony vasculhou a cidade e encontrou um enorme diesel Berliet, combinou o preço com o proprietário (que era bastante alto) e apostou que tudo daria certo, que Bruce chegaria na frente em Caen e o dinheiro do prêmio pagaria as despesas.
Antes do treino do sábado, o grande caminhão azul Berliet apareceu e parou do lado de fora da garagem. Um Tony muito cansado, faminto e aborrecido desceu, rodaram sem parar e sem comer nada. Colocaram o carro no chão, abasteceram com combustível, verificaram os pneus, água, óleo, velas e, em questão de minutos, o carro entrava na pista.
Embora Bruce não esperasse igualar os tempos dos BRM, o seu Maserati foi o mais rápido e igualou o recorde de volta dos anos anteriores, e isso por si só mais do que justificou todo o esforço aos olhos de Tony.
A corrida em si foi esplêndida para Bruce e ele terminou em 3º lugar, na mesma volta de Jean Behra, que trouxe o BRM para sua primeira vitória naquele dia. Todos ficaram muito felizes com o resultado de Bruce e com o esforço de Tony, que apostou alto naquela situação e no lugar no pódio (também havia um prêmio em dinheiro para o 3º lugar).
Ainda naquela noite de comemoração, receberam um telegrama informando que os organizadores do Grande Prêmio da Alemanha aceitaram a inscriçãode Bruce. Mas como levar o Maserati até lá? Foi preciso muita conversa, uma certa quantia de “suborno” e muita persuasão para que o dono do Berliet concordasse em fazer um desvio de 300 milhas a caminho de casa para levar o Maserati para a Alemanha.
Porém, mesmo acenando com maços de notas francesas de 1.000 francos na frente dele, o proprietário do caminhão concordou em levar o Maserati somente até a fronteira alemã pois não tinham a documentação necessária para atravessar de um país para outro.
Mas Tony estava estranhamente tranquilo. Por que? De tanto viajar, ele tinha feito amizade com o guarda daquela fronteira. Quando chegaram lá, descarregaram o Maserati, as peças e equipamentos, empurraram o carro da França para a Alemanha e o embarcaram em outro caminhão contratado às pressas numa pequena vila ali perto.
O Grande Prêmio da Alemanha foi outra boa corrida para Halford e ele terminou na 11ª posição, apenas uma volta atrás do vencedor, Fangio, que realizou uma das maiores corridas de sua carreira.
Tony ficou conhecido como um excelente exemplo de um verdadeiro mecânico de corrida, que adorava as competições, os carros e tudo o que acontecia nos campeonatos, onde viveu literalmente de uma corrida para outra.
Embora este capítulo pretendesse ser principalmente sobre o transporte no que diz respeito às corridas de Grandes Prêmios, parece ter sido mais sobre os homens que dirigiam o transportador. Isso é compreensível, pois “transportadores sem homens não vão muito longe”.
Mesmo aqueles sem transportadores poderiam se dar razoavelmente bem, desde que tivessem iniciativa e um entusiasmo por corridas que não conhecesse limites.
A vida dos mecânicos nos transportadores não foi fácil, mas se o carro vencesse, tudo valeria a pena. Se não vencesse, bem, sempre haveria uma próxima vez.
Continua…