Existem vencedores e perdedores nos esportes.
É apenas a natureza do jogo.
A política, para o bem ou para o mal, também faz parte do jogo.
E quando a MATRA repentinamente perdeu Ken Tyrrell e Jackie Stewart e precisaria se reorientar para o futuro, era uma aposta certa que a política havia entrado em jogo. A política tem um jeito de turvar as águas e tornar incerto o caminho a seguir. Como resultado, o desempenho é prejudicado.
E fora da confusão na política da empresa em torno de uma série de entidades, o Matra-Simca MS120 foi encarregado de forjar um novo caminho para a MATRA.
Tenham um pouquinho de paciência… para que possamos entender como um carro ganhou tanta relevância quanto a marca que o produziu. E com a participação de personagens tão notórios da história do automobilismo.
Fusões e aquisições eram algo com que a Mecanique Aviation Traction, ou “M-A-TRA”, estava acostumada. Na verdade, a empresa se diversificaria em mídia, armamento, defesa, aeroespacial e até mesmo telecomunicações por meio de fusões e aquisições. A MATRA entraria então na indústria automotiva e de corrida, ao adquirir a Automobiles Rene Bonnet no início dos anos 1960.
De muitas maneiras, a empresa se tornaria conhecida por ser focada, assumindo riscos, sabendo o que queria e colocando tudo o que tinha em um projeto apenas para liderar em um campo de atuação.
Essa era a situação em que a empresa se encontrava em 1969: fazendo coisas por conta própria, usando seu vasto conhecimento para criar, por exemplo, os tanques de combustível estruturais altamente inovadores que ajudariam a reduzir o peso dos automóveis, mantendo a força e a rigidez. Era uma equipe altamente inovadora e bastante bem-sucedida, mas sua maior oportunidade de destaque no meio automobilístico estava bem ali diante deles.
Prestem bem atenção.
Depois que Jackie Stewart ganhou o primeiro de seus três títulos do Campeonato Mundial de Pilotos de Fórmula 1 em 1969, ao dirigir um Matra da equipe de Ken Tyrrell, equipado com um motor Cosworth-Ford V8 de 3 litros, a parceria anglo-escocesa se viu “impedida” de permanecer com a empresa francesa como fornecedora de chassi na temporada de 1970.
Isso porque Tyrrell e Stewart estavam comprometidos com o uso do motor da Ford, enquanto a MATRA acabara de ser adquirida pela Chrysler Corporation of America, rival da Ford no mercado global, e o esforços da MATRA na Fórmula 1 teriam que se diversificar e também concentrar em torno de seus próprios motores de corrida, objetivamente os V12.
Os padrões de fabricação pelos quais a Matra Sports operava deveriam ser mantidos e um novo projeto de chassi (para seu motor V12), assinado designer Bernard Boyer para a temporada de 1970, emergiria como um dos carros de Grande Prêmio mais distintos e marcantes já construídos.
O motor seria desenvolvido pela equipe do engenheiro Gerard Martin, diretor do Moteur-Etudes Avancees, departamento de competição da MATRA. Em total contraste com o design de “torpedos” parecidos com charutos ou de “garrafa de Coca-Cola” curvilínea de 1969, Boyer agora buscava uma força aerodinâmica aprimorada das superfícies superiores do chassi e da carroceria, combinados no MS120, em forma de cunha, conforme poderia ser percebido.
Para a MATRA, Bernard Boyer combinou o novo formato do chassi / carroceria com a geometria da suspensão desenvolvida com tanto sucesso para os carros MS80, vencedores do Campeonato Mundial de 1969, que haviam sido operados pela equipe Matra International, uma “equipe corsária” da Tyrrell.
Apenas três dessas “obras da pura arte mecânica”, os Matra MS120, foram construídos.
Seguindo o projeto inicial, seriam movidos por um motor V12, a 60 graus, tipo MS12, de 3 litros, da própria MATRA. Este motor competitivo e potente estaria acoplado a uma caixa de câmbio Hewland FG400 de cinco marchas, e os carros foram conduzidos com maestria por Jean-Pierre Beltoise (como seu piloto número um), habilmente apoiado pelo barbudo Henri Pescarolo.
Os carros se tornariam os mais recentes a levar orgulhosamente a “libré” azul das corridas francesas para as pistas dos Grandes Prêmios, onde se encontravam nomes lendários como Bugatti, Talbot, Delage e Peugeot. Enquanto o MS120 de Beltoise seria identificável por uma faixa branca no nariz, Henri Pescarolo usaria um verde-claro brilhante, combinando com a pintura do capacete de proteção da ex-estrela da Fórmula 3.
Infelizmente, naquela época, muitas portas diferentes em torno dos negócios da MATRA estavam se fechando. E fechando rapidamente. Era provável que a empresa mantivesse as suas portas abertas por um curto período de tempo. Valeria a pena a MATRA continuar?
A resposta foi um fácil “sim”. Mas a “janela da oportunidade” era pequena e estava diminuindo o tempo todo. Foi nesse momento que a política inundaria com águas lamacentas a MATRA, confundindo assim o caminho a seguir.
Inicialmente, os tanques de combustível integrados da MATRA foram proibidos.
Ao mesmo tempo em que as negociações estavam em andamento sobre a aquisição da Chrysler, a MATRA estava em negociações com a Simca (francesa) para que esta se tornasse a fornecedora dos motores para 1970, assim que a Cosworth deixasse a cena.
Isso teve ainda mais implicações políticas, já que a Elf, a fornecedora de petróleo usada pela MATRA, tinha um acordo de exclusividade com a Renault que a impedia de apoiar a Simca.
Apesar da confusão política ter se iniciado por volta de 1968, a equipe Matra International aproveitaria as discussões e a distração para fazer Jackie Stewart ganhar seis corridas e destruir todos os concorrentes, ganhando o Campeonato Mundial de Pilotos de 1969, enquanto também reivindicaria o título de Construtores.
No entanto, depois que as comemorações diminuíram, a realidade se instalou para a MATRA.
Pela primeira vez desde que entrou na Fórmula 1, a empresa realmente não tinha todos os “componentes” juntos. Descobrir um novo caminho a seguir, depois de colocar tanto tempo e esforço em uma temporada com Tyrrell e Stewart, iria deixá-los “um passo atrás”.
Em 1970, isso iria ser claramente notado. Nem Jean-Pierre Beltoise, nem Henri Pescarolo conseguiriam nada melhor do que um 3º lugar. No caso da MATRA, após conseguir manter a Elf como fornecedora de combustível, a relação coma petrolífera se desgastaria após a equipe passar de campeã dos construtores à um distante 7º lugar na tabela de classificação.
Uma parte significativa do orçamento da MATRA durante a temporada de 1969 veio da Ford por meio da Tyrrell. Sem esse suprimento de fundos, ela foi forçada a continuar com o que tinha. E o que tinha no final da temporada de 1970 era somente um chassi MS120.
No meio de toda esta confusão, ao contrário de outros chassis da época que usavam formatos de cunha e design de “garrafa de Coca-Cola”, Bernard Boyer, seguiria um caminho diferente e distinto com os seus projetistas no “120”. Em vez de um design altamente contornado, Boyer procuraria usar a própria superfície superior dos carros para criar a força aerodinâmica necessária.
Portanto, o MS120 seria “plano” e em “forma de asa” (aerofólio), com o motorista posicionado no meio do chassi, com uma parte envolvente da carroceria e do para-brisa para lhe fornecer alguma proteção, mas principalmente, para melhorar a eficiência aerodinâmica sobre o topo do carro. Boyer e outros acreditavam no projeto (ou foram forçados a isso por causa do orçamento limitado) e se concentraram em ajustar “o 120” para uso na temporada de 1971.
O que viria a ser conhecido como MS120B, seria “parecido, mas diferente” do modelo MS120. O nariz do carro passaria por inúmeras mudanças ao longo de uma única temporada. No entanto, em 1971, o nariz ainda manteria a abertura do radiador “de boca larga e perfil baixo”, mas teria uma forma muito mais retangular do que no design original do MS120.
Além disso, o MS120B teria um nariz em forma de cunha que incorporaria os dutos de resfriamento do freio, entradas do radiador e condução do fluxo de ar sobre as rodas dianteiras. Haveria até mesmo um design em que o nariz seria realmente pontudo e a abertura para o radiador seria enfiada na parte inferior do conjunto nariz-asas dianteiras.
Atrás do nariz, o 120B também ostentaria modelos de sidepod diferentes; dependeria do tipo de circuito. Partições em forma de cunha adicionadas a cada lado do chassi acondicionariam o tanque de combustível.
Os arranjos na suspensão do MS120B seriam quase uma cópia exata de seu antecessor: molas helicoidais e duplos triângulos seriam usados na parte dianteira e traseira, juntamente com freios a disco ventilados.
No entanto, uma das maiores mudanças do 120 para o 120B ocorreria na parte de trás do carro. Não apenas uma tomada de ar seria usada dependendo da pista, mas também uma peça lisa de carroceria cobriria o motor, levando direto para a borda dianteira da enorme asa traseira. A ideia de Boyer de usar a superfície superior para forçar descendentemente o carro.
Continuando, o carro ainda usaria o mesmo motor Matra V12 de 3,0 litros. No entanto, haveria pequenas mudanças e ajustes no motor: enquanto o 120 produzira 435cv a um pouco mais de 11.000 rpm, o 120B acabaria recebendo um upgrade de potência, produzindo 440cv a 11.000 rpm. Infelizmente, o MS120B acabaria pesando cerca de 13 quilos a mais e, portanto, precisaria de 5cv extras.
Apesar dos 5 cavalos de potência extras, o peso adicional daria ao 120B um tempo de zero a 60 km/h mais lento do que seu antecessor e apenas igualaria o tempo e a velocidade do modelo 120 em um quarto de milha. Tudo isso ajudaria a fazer com que Chris Amon terminasse em 11º no campeonato de pilotos e a MATRA permanecesse em 7º no campeonato de construtores.
Além disso, contratou Amon como líder da equipe, o que frustrou Beltoise e, em 1972, Beltoise saiu para ingressar na BRM.
Amon, então, passaria a usar a versão de especificação MS120C, antes da substituição pela versão MS120D no meio da temporada. Sem dinheiro para o desenvolvimento dos componentes, os constantes problemas na caixa de câmbio, causando aquecimento do conjunto, privou a equipe de obter melhores resultados.
Todas as negociações paralelas que aconteceram à margem das pistas resultaram na perda do foco administrativo voltado para as competições automobilísticas.
A óbvia perda de direção faria com que o MS120 não atingisse o potencial que todos acreditavam existir depois que a equipe dominou 1969 com Stewart ao volante. Muitos não conseguiram perceber a política por trás das cenas que afetava a equipe. Mas o que eles veriam seria um “sucesso” fracassando na pista.
A MATRA havia perdido o caminho. Infelizmente, para a empresa, o MS120 não pôde ajudar a equipe. O rumo permaneceria incerto e, sem dúvida, levou a MATRA a se retirar como equipe da Fórmula 1 apenas alguns anos depois.
A partir de então, esse poderoso amálgama de indústrias e potencial seria reduzido ao fornecimento de motores aos clientes, algo que faria ao longo dos anos 1970 e por um curto período no início dos anos 1980.
Definitivamente, a MATRA abandonava a Fórmula 1 para se concentrar em Le Mans.