O último dia do Festival Interlagos (11), realizado no autódromo José Carlos Pace, em São Paulo, ficou marcado por um momento especial: uma volta simbólica no circuito em veículos históricos da Renault, prestando homenagem pelos 60 anos do Recorde Mundial de Resistência com o Gordini, que percorreu 50 mil quilômetros em 22 dias ininterruptos, no ano de 1964, no anel externo do circuito. O Gordini foi um veículo Renault produzido no Brasil pela Willys Overland, sob licença da Renault.
O desfile teve a presença de diferentes modelos Dauphine, Gordini e Interlagos, além de um Renault R8 Gordini 1965 usado por Bird Clemente e Emerson Fittipaldi em competições, que hoje pertencente ao colecionador Maurício Max.
O Gordini Tributo, desenvolvido por Bird Clemente Júnior, filho do piloto Bird Clemente, e que hoje faz parte do acervo do Museu de São Roque, foi conduzido pelos familiares do piloto. Também participaram pilotos de época, como Luiz Evandro ” Águia” Campos e Nelson Cintra, que fizeram história competindo com veículos Renault e Alpine produzidos no Brasil pela Willys Overland, sob licença da Renault, como o Gordini e o Interlagos, além de colecionadores do modelo.
O Gordini
O Gordini, um projeto francês, aqui era tido como o carro de entrada da família brasileira, e sua fabricação nacional era feita pela Willys-Overland do Brasil, sob licença da Renault europeia. Com menos de quatro metros de comprimento por cerca de 1,45 m de altura, era movido por um econômico motor traseiro de 845 cm³ com 40 hp SAE (32 cv na norma ABNT), e fez um tremendo sucesso no mercado nacional da época: teve quase 75 mil unidades comercializadas em nove anos de produção em série, de 1959 até 1968. Na França, feito pela Renault, também teve uma carreira ilustre entre os finais das décadas de 50 e 60.
Dentre muitos feitos e alguns pioneirismos, o Gordini detém, até hoje, o título de carro nacional de produção que percorreu maior distância sem parar em um autódromo brasileiro, feito realizado em 1964, e que completa seis décadas neste ano, ainda sem igual dentro da sua categoria (G, para carros de motores entre 750 e 1000 cm³). A chancela foi dada pela FIA (Federação Internacional do Automobilismo), que acompanhou e aferiu todo o teste, até então inédito em nosso país, juntamente com o auxílio do Automóvel Clube Estadual de São Paulo. Desta prova sem precedentes, foram batidos 133 recordes, nacionais e internacionais à sua época.
A ideia da prova de longa duração foi do publicitário Mauro Salles, detentor da conta da Willys-Overland na ocasião, e homem de confiança de William Max Pearce, então presidente da empresa.
O feito
São oito horas da manhã de segunda-feira, dia 26 de outubro de 1964. A bandeira quadriculada se agita à frente de um Gordini bege claro, que dá a largada em busca de recordes mundiais. A missão era clara: mostrar da forma mais prática possível a qualidade, durabilidade e resistência do Renault Gordini, um dos populares mais queridos dos anos 60, que enfrentava nossa situação viária com a galhardia de poucos. Uma decisão ousada, de quem acreditava e conhecia muito o produto!
O teste de longa duração, realizado no anel externo de Interlagos, Autódromo José Carlos Pace, tinha algumas metas a serem batidas: uma era a de percorrer, sem parar, 50 mil km, enquanto a outra era tomar o recorde mundial de uma prova deste tipo, até então de sete dias ininterruptos, pertencente a Ford inglesa. Metas batidas, foram além: para garantir mais três recordes, em decisão comum entre o chefe de equipe e pilotos, a prova, que terminaria na noite do dia 16 de novembro, foi estendida por mais algumas horas, até o final da tarde do dia 17, já que o carro se encontrava em perfeito funcionamento e pronto para mais voltas. O evento foi encerrado na terça-feira, dia 17, após exatos 51.233 km rodados em 514 horas, 37 minutos e 14 segundos (22 dias).
A Renault sabia que tinha um projeto durável e robusto, e o Gordini provava ali ao consumidor brasileiro sua capacidade, mesmo quando exigido ao máximo durante 22 dias sem parar, trafegando a maior parte do tempo perto de sua velocidade máxima, ao redor dos 118 km/h. Só para que se tenha uma ideia, a média horária após o teste, que teve paradas permitidas apenas para a troca de pilotos, reabastecimento, trocas de óleo, pneus e outros fluídos, foi de 97,15 km/h, com tempo de volta variando entre 1’51” e 1’55” com pista seca durante o dia.
A grandiosa estrutura
Os investimentos para a realização do evento foram grandes. Além da reconstrução do asfalto de todo o anel externo da pista de Interlagos (3.213 metros na época), foram feitos, na área dos boxes, dormitórios, uma cozinha, refeitório, banheiros, sala de lazer, centro médico e até uma pista de autorama, que servia para o entretenimento dos integrantes do teste de longa duração.
Para o carro, uma bomba de combustível, igual a de postos, para encher seu tanque nas paradas, e uma rampa de inspeção, que permitia um exame da sua parte de baixo nos pit-stops. Sem contar, claro, um estoque considerável de óleo lubrificante (trocado a cada 2.500 km) e gasolina.
A equipe inteira, formada por mais de 100 pessoas dentre pilotos, cronometristas, mecânicos, técnicos e engenheiros, médicos e enfermeiros, cozinheiros, copeiras, seguranças e por aí vai, ficou instalada durante os 22 dias nos alojamentos da pista. A estrutura funcionou por todo o período de duração do teste, mas no sábado dia 24, dois dias antes da largada, algumas voltas foram dadas em caráter experimental, para ver se tudo estava nos conformes (equipe de cronometragem, mecânicos, pista, sinalização etc.).
O valente carro
O Gordini testado, com motor de 845 cm³ e carroceria pintada de bege-claro, não tinha nada de especial. Foi escolhido aleatoriamente na linha de produção da Willys-Overland do Brasil em São Bernardo do Campo (SP) por Paul Pierre Michel Massonet, comissário francês da FIA que veio ao Brasil especialmente para acompanhar o evento, para ter total isenção quanto a preparações mecânicas ou estruturais. Após a escolha do carro e a conferência quanto a sua normalidade (estava idêntico aos demais), jornalistas, pilotos, funcionários da Willys, Paul e outros participantes o assinaram na tampa do motor e capota.
Além da troca dos pneus diagonais de fábrica por outros radiais (Pirelli Cinturato), por questões de segurança, nada mais foi alterado no carro. A FIA determinava, ainda, que todos os componentes de possíveis reparos e substituições fossem transportados no interior do Gordini durante a prova, assim como havia sido em testes anteriores homologados pela Federação.
O renomado time de pilotos
No total, onze pilotos dirigiram o Renault Gordini durante os 22 dias de sucesso da maratona, se revezando a cada três horas de direção: Wilsinho Fittipaldi (piloto de F1, F2 e protótipos na Europa), José Carlos Pace (o “Moco”, campeão do GP do Brasil de F1 em 1975), Luiz Pereira Bueno (também da F1 e fundador da Equipe Hollywood), Bird Clemente (primeiro piloto profissional do Brasil), Luiz Antônio Greco (famoso dirigente das principais Equipes de competição automobilísticas do país), Chiquinho Lameirão (piloto nacional de monoposto e biposto), Carol Figueiredo (pioneiro no kart nacional), Vitório Andreatta (especialista nas “carreteras”), Waldemyr Costa (também piloto de aviões na Varig), além de Danilo de Lemos e Geraldo Meirelles.
O teste e seus incidentes
Depois da largada no dia 26, passaram-se cinco dias de prova com períodos de chuva, mas ainda assim o Renault Gordini já havia dado mais de 3.200 voltas no anel externo de Interlagos e batido diversos recordes locais, estaduais e nacionais. No dia 31, acontece o inesperado: por conta da chuva, uma verdadeira corredeira de água com detritos de asfalto se formou na região da Curva Três, e Bird Clemente, que pilotava o carro naquele momento, se deparou com uma pista sem condições de aderência. O carro derrapou, e já na saída da curva bateu a traseira em um barranco, capotando por várias vezes em seguida.
Por sorte de Bird, que saiu praticamente ileso do ocorrido, o valente Gordini parou em pé, com as quatro rodas no chão. A FIA não permitia ajuda externa enquanto o carro estivesse na pista, ou seja, se ele terminasse capotado com as rodas para o ar, era o piloto que teria que desvirá-lo sozinho. Apesar dos danos significativos na traseira, capota, para-brisa quebrado e rodas tortas, logo o Gordini voltou a funcionar, e Bird seguiu a volta até chegar nos boxes.
Lá, por questões de aerodinâmica e turbulência, foi preciso retirar o vidro traseiro também, e após a troca de uma das quatro rodas e de seu respectivo pneu, o carro estava pronto para voltar a rodar. Nada do seu powertrain foi danificado, mas a lataria seguiu amassada até o final, mesmo após a tentativa de um reparo “rústico” no teto: Nelson Brizzi, chefe dos mecânicos, usou seu porte avantajado para ir empurrando parte da lata com as costas para seu local original.
Como o Gordini seguiu sem para-brisas ou vidro traseiro, os pilotos seguintes precisavam utilizar óculos, bandanas, máscaras e outras proteções contra os fortes ventos, chuvas e mosquitos que encontrassem no caminho.
A região de Interlagos era absolutamente deserta naquela época e, também graças aos lagos, existia um grande fluxo de animais por lá, e era comum o aparecimento deles na pista. Duas situações curiosas chamaram a atenção nos 22 dias de prova: um dos pilotos relatou, em uma parada, que havia atropelado um enorme lagarto, mas não houve danos ao carro; e, em outro perigoso ocorrido, com Carol Figueiredo ao volante, um cavalo branco invadiu a pista, obrigando manobras do piloto para evitar outro acidente.
Ainda assim, apesar do capotamento (que também fez reduzir um pouco sua média-horária por volta), o carro não apresentou problema algum durante a prova inteira.
Bandeirada e recordes
Com o aumento da prova por mais um dia e cerca de 1.230 km extras após o recorde dos 50 mil km, a bandeirada final foi dada por volta das 18h00 do dia 17 de novembro de 1964, e ao volante estava Luiz Antônio Greco, chefe da Equipe Willys, que liderava o time de pilotos e dirigia o Gordini. O dia extra também garantiu mais três recordes ao carro, Equipe e time de pilotos, chegando assim a 133 no total: 25 internacionais (10 de distância e 15 de tempo), 54 nacionais (28 de distância e 26 de tempo) e outros 54 estaduais (28 de distância e 26 de tempo). Memoráveis!
O Renault Gordini, que tinha a missão de provar sua confiabilidade, acabou dando um show de resistência e valentia nesses 22 dias e mais de 51 mil km de prova de longa duração. Alguns pilotos e mecânicos da época disseram até que o carro seria capaz de repetir a prova e resistir bravamente a outros 50 mil km. Sem dúvidas, o carro surpreendeu a todos da indústria automobilística nacional, e entrou para a história!
60 anos depois, seu feito extraordinário ainda é digno de aplausos: um Renault comum, saído aleatoriamente da linha de montagem, que foi escalado para ficar ininterruptamente correndo em um circuito por mais de 50 mil km, recebendo apenas manutenções mínimas, provando da melhor forma possível suas qualidades e resistências. Tanto que, ainda em 1964, ele foi estrela no IV Salão do Automóvel de São Paulo, realizado entre novembro e dezembro daquele ano.
Tecnologia Renault nos dias atuais
E, claro que todos os percalços passados pelo valente e teimoso Gordini lá em 1964, que seguiu rodando firme e forte após 22 dias ininterruptos, perfazendo mais de 51 mil km, não foram à toa. Mesmo no pós-guerra, a Renault continuou trabalhando com produtos que reunissem resistência mecânica, boa performance, baixo consumo e uma tecnologia construtiva que garantiam segurança e baixo custo de manutenção.
Foi assim com o Dauphine, predecessor do Gordini, com o próprio Gordini, e depois com o Corcel, produto oriundo do Renault R8 movido pelo consagrado motor Cleon-Fonte (ou CHT, como ficou mais popularmente conhecido). Esse motor, aliás, serviu também a carros do mercado nacional de outros fabricantes. Um marco em confiabilidade, durabilidade e boa aliança entre baixo consumo e bom desempenho. Tecnologia Renault reverenciada até por outras fabricantes.
A capacidade da concepção e construção de veículos de baixo custo de aquisição e manutenção também são frutos da tecnologia desenvolvida pela Renault por muitas décadas.
O que o valente Gordini Teimoso mostrou há sessenta anos pode ser visto nas ruas hoje com o Renault Kwid que se destaca pelo moderno motor flex, melhor consumo do país e com baixas emissões de CO2 (84 g CO2/km). Produzido no Complexo Industrial Ayrton Senna, em São José dos Pinhais (PR), o Kwid foi lançado no mercado brasileiro em 2017 e tem como características a maior altura do solo (180 mm) da categoria e os ângulos de entrada (24°) e de saída (40°) dignos do segmento SUV. Somando-se às características SUV, o Kwid tem ainda o maior espaço interno e o maior porta-malas da categoria (290 litros). O Kwid é referência em segurança, trazendo, de série, quatro airbags (dois frontais e dois laterais) – algo inédito no segmento de entrada.
Outro exemplo é o Kardian, o primeiro veículo produzido no Brasil com a nova identidade visual de marca, traz o novo motor turbo TCe de 125 cv com 220 Nm e o novo câmbio automático de dupla embreagem úmida. O Kardian é um carro completamente novo, moderno e tecnológico, que chegou para competir no segmento B-SUV, e inaugurou uma nova fase da Renault no mercado brasileiro.
O Kardian traz a nova plataforma RGMP (Renault Group Modular Platform) e se diferencia pelas inovações e recursos normalmente encontrados no segmento superior, como o freio de estacionamento eletrônico, a alavanca de marchas do tipo “e-shifter” e as regulagens do sistema Multi-Sense que permitem customizar a condução e o ambient lighting, com personalização com oito cores diferentes, além das regulagens do sistema de direção e da resposta do conjunto motor/câmbio.
Além disso, o Kardian traz seis airbags de série em todas as versões e 13 sistemas avançados de assistência ao motorista (ADAS).
Lembrando que a Renault foi a primeira marca a utilizar motores turbo na Fórmula 1 em 1977. Só para que se tenha uma ideia dos resultados impressionantes da marca francesa com essa tecnologia, já em 1980 todas as Equipes da categoria correram para preparar seus motores superalimentados. Até hoje, a marca francesa desenvolve essa tecnologia na Equipe Alpine de F1, com motores turbo de ótima performance.
Fonte: Renault do Brasil