A guerra, a energia e as alternativas

por João M. Ramos

A guerra, a energia e as alternativas

A longa guerra da Ucrania tem afetado o mundo todo de diversas formas.

Este evento geopolítico fez com que fossem tomadas ações econômicas numa velocidade jamais vista, mas suas consequências tem sido assimiladas não tão rapidamente.

O processo de eletrificação da indústria automobilística já vinha num passo bastante rápido, com a promessa de diversos dirigentes das indústrias de substiutuir completamente os motores a combustão por elétricos.

A princípio, a guerra mostrou que sendo a Rússia um dos maiores  produtores de petróleo do mundo, o fornecimento de combustível seria seriamente comprometido, o que fez os preços subirem velozmente até U$130 o barril, valor não visto há muitos anos. Passados alguns meses, o mercado se estabilizou através do fornecimento vindo de outros produtores.

Observou-se também que a indústria de carros elétricos também seria afetada uma vez que eles precisam de matéria prima como paládio, titânio e níquel, e que a Rússia também é um dos maiores fornecedores mundiais destes comodities. Os russos, por exemplo, detém 50% da produção mundial de paládio, e o níquel é fundamental na produção de baterias de íons de lítio. Sem contar o preço do aço que também subiu.

Um outro fator importante que vai afetar não só o mercado de elétricos mas, também, a manutenção da frota existente é o fato da Rússia ter cortado o fornecimento de gás para a Europa. Com o inverno chegando, isto vai impactar  muito no fornecimento de energia para o continente europeu. Energia esta gasta não só para o necessário aquecimento e indústria mas também para o carregamento da crescente frota de elétricos.

Veremos nos próximos meses qual vai ser a solução adotada pelos países do bloco para suprir a enorme necessidade energética que esta “nova” modalidade de transporte exige, sem que se fira a idéia de que é um modelo “carbon free”, sempre amplamente divulgado como “diferencial”.

De qualquer forma, mesmo antes da guerra, ouvíamos declarações por vezes dúbias de alguns CEOs que, se antes afirmavam dedicar futuramente toda a produção a carros elétricos, agora afirmavam ainda manter por muitos anos ou enquanto existir a procura por carros a combustão.

A verdade é que ainda há uma corrida no desenvolvimento de outras alternativas à combustão tradicional e a reabilitada eletricidade.

Várias montadoras anunciaram em 2021 que tinham investido no desenvolvimento do hidrogênio como fonte de energia alternativa.

Na prática, o veículo a hidrogênio funciona como um puramente elétrico, uma vez que também tem um motor elétrico para gerar tração. A diferença está em como este motor é alimentado. Num veículo elétrico (os chamados BEVs – Battery Electric Vehicle), a energia (eletricidade) é fornecida através de uma conexão externa e fica estocada em baterias (que geralmente são de lítio).

No veículo a hidrogênio (chamado FCEV – Fuel Cell Electric Vehicle), a energia é gerada através de hidrogênio pressurizado, armazenado em tanques, que é injetado numa célula de combustível onde é combinado com oxigênio e, através de uma reação química, produz energia para os motores elétricos.

A única similaridade com os motores a combustão é a presença de um escapamento, mas que neste caso libera apenas água ou vapor de água.

Existem diversas vantagens no veículo movido a hidrogênio, comparado a similar elétrico:

  1. O abastecimento é rápido, com tempo similar ao processo de encher um tanque de combustível comum,
  2. A autonomia real é quase o dobro de um motor elétrico,
  3. Não é afetado pelas condições climaticas onde temperaturas extremas podem  reduzir a capacidade das baterias,
  4. A inexistência de uma bateria para armazenamento reduz o peso e o problema de descarte e reuso, por sinal pouco discutido na indústria dos carros elétricos.

O único e maior problema com relação a esta tecnologia, por enquanto, é a inexistência de uma grande rede de abastecimento, o que, convenhamos, parece ser mais fácil de resolver do que ampliar a de carregamento elétrico. No mais, tem as vantagens comuns aos BEVs como, zero emissões,  silêncio e o torque entregue às rodas de forma imediata.

A Toyota vende desde 2014 um modelo a hidrogênio, o Mirai, que é produzido em pequena escala. A Hyundai por sua vez lançou em 2018 o Nexo, um veículo pequeno que pode ter autonomia de até 600 km.

Mais recentemente a Renault apresentou sua bem sucedida Van Master movida a hidrogênio. A ser lançada no ano que vem, ela virá acompanhada de outros 2 modelos com a mesma tecnologia. A Stellantis e a BMW já tem estratégias bem definidas quanto a este tipo de energia. A Ford apresentou no mês de março o seu próprio motor a hidrogênio, colocando ainda mais força na busca por fontes de energia alternativas.

Ainda assim, o grupo VW alegou que não há futuro no hidrogênio e se mostrou desinteressado no projeto. Por enquanto prefere focar nos carros elétricos e motores diesel movidos a óleos vegetais, que podem reduzir as emissões, segundo a empresa, de 70 a 90% em comparação ao diesel convencional.

Aparentemente, o foco da indústria na aplicação deste tipo de tecnologia seria em veículos comerciais, onde a necessidade de atender grandes distâncias é mais importante. Os BEVs seriam utilizados para percursos mais curtos, ainda que, quem compra um caro e muitas vezes luxuoso carro elétrico, espera poder rodar sem limites.

Mas como tudo na industria e na vida em geral tem se mostrado muito “fluído”, impactos como a guerra podem mudar rapidamente estratégias.

Em 2021 foram vendidos 6,6 milhões de carros elétricos no mundo, ou 8,57% do volume total. Ou seja, não há dúvidas de que este tipo de veículo veio para ficar.

Há 5 anos, a China apresentou pela primeira vez uma gasolina produzida a partir de CO2. É um combustível totalmente neutro em carbono, uma vez que é produzido a partir do dióxido de carbono retirado do ar. Em uma unidade piloto, já foram produzidas mais de 1.000 toneladas do novo combustível. O próximo passo é utilizar o processo em escala industrial para a produção deste combustível sintético. Este processo, aliás, é similar ao apresentado pela Porsche há 2 anos, que pretende produzir este combustível ainda em 2022, o que deverá acontecer em Punta Arenas, na Patagônia chilena por conta de farta enerigia renovável disponível para operar sua planta.

Mas, a partir de agora, além do desenvolvimento de diversas tecnologias, outras como o hidrogênio e mesmo a gasolina sintética, começam a aparecer com mais força e podem vir a se tornar opções viáveis num futuro não tão distante.

You may also like